O casaco vermelho é, nesse post,  o protagonista que revela uma história,  digamos, vermelha!

1970 era o ano. Eu tinha dez anos.

Inicio da mecanização das lavouras no Rio Grande do Sul.

Meu pai continuava com o plantio manual. Dedicava-se a remover as pedras de uma parte da lavoura, formando taipas e preparando o solo para ser arado com trator e poder mais tarde colher com colheitadeira. Em 1972,  comprou financiado pelo Banco do Brasil uma trilhadeira a “vencetudo” da SLC.

Foi a sensação! Vi o contentamento de meus pais e irmãos. Enfim, uma máquina para a lavoura . Esperança de obter um pouco mais de lucro com a colheita.

AH, as colheitas! Na época, a classificação do trabalhador rural da nossa região era o pequeno agricultor e e o granjeiro forte . Meu pai pertencia ao primeiro grupo. Cercado pelos lindeiros do segundo grupo. Portanto, dependia muito do maquinário deles. Precisava esperar o granjeiro colher toda sua lavoura para depois  colher a lavoura dos  pequenos agricultores. A espera era angustiante.

Presenciei muitas vezes a angústia de meu pai na iminência de perder seu produto, devido às chuvas e às enchentes frequentes. Os grãos apodreciam. As colheitadeiras, nem sempre reguladas, colhiam impurezas junto com os grãos.

As tais impurezas nos grãos era a dor de cabeça de meu pai , quando finalmente conseguia entregar a produção para dois grandes compradores, os únicos da região, temia o desconto das tais IMPUREZAS. Era o cartel do grão. Bem mais tarde surgiram as cooperativas. Rompeu o cartel. Hehehehe… criou-se outro!!!

IMPUREZAS? São elas, que farão o leitor  encontrar, nesse post, enfim, o casaco vermelho!

Terminada a colheita, produto entregue .  Meu pai ia a cavalo até o vilarejo, ou por vezes, ia de carroça puxado por dois cavalos,assim era possível levar meu irmão , que ia bem faceiro para a vila, onde ficava a loja comercial ltda. Trazia de lá, lata de querosene, saco de farinha, de açúcar e rolos de tecidos , que eram transformados em camisas pelas mãos de fada da irmã costureira.

Desta feita, volta ele com pouca coisa na mala de garupa. Cinco quilos de açúcar e um embrulho pequeno.

Sentou-se num banco rústico, que ele se dizia dono, esse é meu banco! Na sua ausência, disputávamos o assento. Lembro-me do seu rosto, nessa oportunidade, mais sério do que do costume, chamou me para seu colo. Corri faceirinha ao encontro do embrulho que ele me estendia. Abri. Era um tecido de lã,  vermelho. Aos meus olhos, pareceu vermelho brilhante.

_ É para você ! A Terezinha vai costurar um casaco bem chique!Vai precisar de forro, mas  ela ajeita um. Minha irmã Terezinha fez o casaco. O melhor casaco que já vesti em toda minha vida. O casaco vermelho.

Ouvi quando meu pai disse para minha mãe:

_ Acertei lá. Deu muita impureza nas sementes. Fiquei devendo. Trouxe o açúcar e o tecido para o casaco da Marta.

Meu pai ficou no vermelho, mas assegurou minha alegria e o abrigo para os dias de frio com o casaco vermelho. Usei-o, até as mangas encurtarem e os braços alongarem. Alongada, ficou também minha consciência.

O casaco vermelho me proporcionou a primeira tomada de consciência de classe.

A partir daí, descobri que há mais impurezas nesse mundo que se possa imaginar. Principalmente na vida dos trabalhadores desse país!

 

 

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Escrito por Marta de Fátima Borba
Seguir meu coração foi minha melhor escolha. Sou corajosa. Quero melhorar a cada dia, porque sei que não estou pronta. Preciso evoluir. O que faço ou aquilo que me acontece, tem o poder de mudar meu humor, mas como vou reagir a isso, eu decido de maneira consciente!