O ano era 2013. Inverno chuvoso e frio. Na volta do trabalho, encontrei-o. Nossos olhares se cruzaram, os dele tímidos e medrosos, os meus apressados com as lidas da vida. Seu jeito de andar me chamou atenção.

Com uma perna encolhida em forma de caracol junto à barriga, quase inexistente,  deveria ser barriga, mas se via apenas pele e ossos das costelas. A princípio  parecia estar com pata ou perna quebrada. Exitou, por um momento me acompanhar.

Mas nossos olhares humano e canino se cruzaram. Os caminhos se cruzaram.

Timidamente me seguiu. Uma figurinha de quatro patas, branco com umas manchinhas pretas indefinidas.

Cheguei em casa, abri o portão e ele, demorou para chegar. Ali ficou, encolhido. Uma bolinha de osso e pouca carne.

Levei até ele água e um pedaço de pão molhado no leite. Engoliu o pão sem mastigar como imaginei.

Ficou ali, como a dizer: – Mereço, mais dona Humana.

Almocei. Fiz um pratinho para ele, tipo marmita!!! Devorou em segundos.

Ao final da tarde. quando retornei à casa, lá estava ele, lépido, faceiro, pata no chão, sem sinal de machucado.

Descobri então, que segurava a perna junto à barriga para diminuir a dor da fome. Apertava o estômago e comprimia o possível para não doer. A dor da fome é cruel. Crueldade que humanos praticam sem escrúpulos.

Enquanto escrevo a história de um cão faminto, o noticiário traz  a triste realidade brasileira, mais de 36 milhões de brasileiros estão  com insegurança alimentar, um eufemismo para  falar de fome. A fome que  dói até as costelas!!!

O cãozinho era apenas mais um dos incontáveis cães abandonados à margem de uma rodovia de alta velocidade. Abandonados com fortes intenções de matá-los de fome ou atropelados. Ao menos que sejam acolhidos. O Costelinha teve sorte. Esse foi o nome que lhe dei. Era possível ver suas costelas, tamanha a magreza.

No entanto, como morava em casa de aluguel, o dono não permitia cães no pátio.

Como proteger Costelinha? Do frio? Da chuva? E da maldade humana?

Passou uma semana camuflado na pequena área externa da casa. Chegou o inverno e com ele chuvaradas. Um vizinho, de profissão bombeiro e alma bondosa doou uma lona preta e fizemos uma casinha improvisada. Durou uma semana a casa.

Uma tarde, quando retornei do trabalho, a ordem de despejo tinha se cumprido. Com a casa demolida e para fora do portão lá estava, Costelinha, desabrigado novamente.

Na época, estava diretora de escola, achei uma alternativa. Levei o Costelinha para morar na escola.

A vida dele se tornou alegre. E alegre ficou a criançada! Estava adotado por muitos.

Costelinha passou a ser o mascote da escola. Guardião!

Quando houve furto do motor do portão da escola,encontrei-o na manhã seguinte agitado, latindo muito, pulando como a querer relatar a presença dos desconhecidos.

Passaram se dois anos. Costelinha cresceu. Cresceu livre. Ganhava presentes como boa ração, banho de pet, casinha nova, cobertor novo…e o que mais gostava quando soava a campainha do horário do recreio. Criança feliz. Cãozinho mais ainda.

Veio o término da minha gestão escolar. Com ele o fim do ciclo do Costelinha na escola.

Ele se tornara um cachorro de porte grande. Eu  mudaria para um apto, cujo prédio não aceitava cães com suas características.

E como privá-lo da liberdade?

Muitos o queriam. Mas ele escolheu a colega Miriam.

Vive hoje num pátio com mais dois amigos.

Nunca me esqueceu. Sempre que passo em frente seu portão vem me cumprimentar. Lambe minhas mãos como eterno agradecimento. E, olha, já se passaram sete anos!!!

Aprendi com ele o que é gratidão de verdade.

*Espero que os brasileiros não tenham esquecido que é possível reverter o quadro de miséria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Escrito por Marta de Fátima Borba
Seguir meu coração foi minha melhor escolha. Sou corajosa. Quero melhorar a cada dia, porque sei que não estou pronta. Preciso evoluir. O que faço ou aquilo que me acontece, tem o poder de mudar meu humor, mas como vou reagir a isso, eu decido de maneira consciente!