Cidadania à deriva!!!
A palavra cidadania tem sua origem no latim e significa civitas, que quer dizer cidade.
Usada em Roma para denominar os direitos políticos de uma pessoa. De um cidadão.
CI DA DÃO: aquele que habita um lugar denominado cidade. Habita, marca território, ocupa um determinado espaço, não apenas isso, mas deve usufruir tudo o que esse lugar oferece. Por isso, o conceito de cidadania vai além do espaço “civita”.
“Senhor cidadão”! ” Senhora cidadã “! Assim devem ser denominadas todas as pessoas. Entretanto, não é o que ocorre. Um povo que maltrata crianças e idosos, mata o ciclo da cidadania plena.
Porque cidadania plena inicia na gestação, no parto, na primeira infância, na adolescência se estende na juventude até sua finita existência. Não é o que se encontra na ” civita”. Pelo menos para a maioria de seus habitantes.
Para que se possa chamar de civilização esses amontoados de pedra e cimento,neles deveria estar também edificado a dignidade humana que por sua vez só existe com a consciência ética. É ela que garante direitos humanos e, obviamente a cidadania.
O volume de chuva acima da média provocou tragédia em várias cidades do Brasil. A causa de mortes e destruição não é a chuva. A causa disso é a ausência de cidadania, é a ausência do direito à moradia digna.
A chuvarada é consequência da ação inescrupulosa do homem na natureza. O desrespeito com as matas, com os rios, com a atmosfera são fatores relevantes para entender essas catástrofes, mas jamais deixar de analisar a negação de direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles o direito à moradia digna.
Historicamente a conquista dos espaços territoriais nunca foi pacífica. Pela ação bélica,em sua maioria, os territórios foram habitados. Se há guerra, não há ética. Se não há ética, não há cidadania. Triste constatação. Nos dois últimos séculos, a humanidade se concentrou nas zonas urbanas.
Essa concentração muito se deve pela promessa do paraíso apregoado pelo modelo econômico global, defensor do capital. Em busca de bens de consumo e com a vida facilitada pela tecnologia, cresceram as aglomerações humanas nos grandes centros urbanos.
A especulação imobiliária consolidada pela ausência de políticas públicas de habitação popular, empurrou milhares de pessoas para as periferias das cidades. As ocupações de espaços nobres das cidades, que antes de tornarem-se potentes centros urbanos, foram ocupadas pelos trabalhadores fundadores das metrópoles,mas passaram para as mãos de uma elite urbana. Restou para a classe de trabalhadores construir nos morros, nas encostas, na beira de rios, de riachos… Muito desses núcleos habitacionais são financiados pelo Estado, sem o mínimo de preocupação com os iminentes riscos advindos do clima, do solo.
Ausência de política habitacional pública é mais uma negação dos direitos humanos. O direito à moradia digna assegurado pela constituição brasileira é outra luta constante.O movimento dos sem teto batalha pela regulamentação de espaços urbanos com a estrutura necessária nas construções populares, com água, com luz, com saneamento básico…
Escrevo sobre o direito à moradia, de forma singela, pois o assunto tem muitos implicadores, o objetivo é provocar reflexão sobre outro trágico evento ocorrido em Petrópolis- Rj. Fortes chuvas provocaram deslizamento de morros deixando um cenário semelhante ao que ocorre com a explosão de uma bomba em território de guerra. Dezenas de mortes e muita destruição . A empatia com a população da cidade de Petrópolis só é válida se houver movimento nacional exigindo a pauta da moradia no congresso, no ministério das cidades, nas assembleias estaduais, nas câmeras municipais…
No Estado do Rio de Janeiro, há o agravante do domínio dos milicianos na venda de terrenos e casas nas comunidades. Conforme o jornalista e escritor Bruno Paes Manso relata no livro A República das Milícias. Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro, o estado é negligente e , quando destina verbas para a habitação está altamente comprometido com a especulação das milicias e seus representantes eleitos. No livro, há um resgate histórico importante da ocupação urbana do Rio de Janeiro. Vale a pena ler. É leitura obrigatória como escreveu Fernanda Torres para a contracapa do livro.
Por fim, lembro a morte recente do jornalista e escritor Arnaldo Jabor ( sinto-me órfã ) resta a releitura do livro Cidadão de Papel, foi o primeiro livro que li sobre o que é cidadania e também sobre como se tira a cidadania de um povo. Se tivesse vivo, certamente teríamos sua voz em defesa da população do Rio de Janeiro, mais uma vez sem teto, podendo contar só com o afeto e a solidariedade de seus iguais.
Cidadão de papel é o que somos. Sujeitos à chuva, a raios e à forte corrupção. Sujeitos à deriva!!!
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