Refleti, nesses dias intermináveis de chuva, sobre o recrudescimento da solidão. São nesses dias que ela aparece fortemente.
“Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento.” Do livro de Gabriel Garcia Márquez, Cem Anos de Solidão.
A narrativa de Garcia sobre a chuvarada sempre vem à mente quando acontece um período longo de chuvas .
Os pingos fortes e constantes vão calando no chão, sem antes bater em obstáculos seja numa parede, num teto, numa calçada…para enfim escorrer e buscar um córrego, um riacho, um rio e finalmente desaguar num oceano.
Os pensamentos são como esses pingos, fortes e constantes, teimam em recrudescer a solidão. Não desaguam facilmente.
A chuva torrencial passa. Mas a chuva constante é aquela responsável pelo sentimento de procura de abrigo. Até as aves sabem que não podem permanecer em abrigos temporários quando ocorre chuva constante. É necessário encontrar aconchego seguro.
Nesses dias, a solidão corrói nossa proteção conquistada nos dias de sol.
Molha a alma. Molha o coração.
O som que vem dos pingos de chuva, constantes, firmes, batem nos nossos ouvidos e seguem caminho.Penetram na corrente sanguínea e fazem doer até os ossos.
Os pensamentos, que recrudescem a solidão, vão formando ilhas na memória afetiva. Igualzinho às pequenas poças da água da chuva que tem dificuldades em desaguar, escorrer… Ficam ali, recebendo mais e mais água.
A solidão é assim, se alimenta de pensamentos que não “desaguam”.

Recordo outra passagem do livro de Garcia. Quando perguntaram ao comandante quando anunciaria oficialmente o fim de um conflito, ele disse: “- Espera estiar”.
Esperar a estiagem é o que resta para vencer o tempo de solidão.
Enquanto ela não vem, aconchego-me na taça de um bom e companheiro vinho.
Antes vinho do que aconchego que só recrudesce a solidão.
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